Nos últimos tempos, uma das maiores conquistas do Estado brasileiro foi a maior transparência no controle dos bens e recursos públicos, com especial evidência nas matérias financeira e tributária. Trata-se de uma tarefa de todos, Administração Pública e cidadãos, o cumprimento fiel ao Princípio da Publicidade no trato da arrecadação de tributos e demais receitas, assim como dos gastos públicos.

Para evidenciar essa transparência na atividade das relações tributárias, é inegável o pioneirismo e esforços da Secretaria da Receita Federal do Brasil para dinamizar o acesso de todos às informações sobre formas e procedimentos de arrecadação, declarações, numa inconteste demonstração de respeito à transparência.

Para a cidadania, no âmbito da Constituição, o mais importante elemento revelador da democratização do controle financeiro foi o direito de participação popular no controle do gasto público, uma das mais importantes novidades da legitimidade democrática da Constituição Financeira, prescrita no artigo 74, parágrafo 2º, pelo qual qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas.

De fato, o controle social reveste­-se de notável valor, como um direito fundamental de máxima efetividade, cuja aplicação tem sido sobremodo frutífera em nosso país, a partir da evidência da força e importância do Direito Financeiro para a continuidade do Estado e proteção do patrimônio público para as gerações presentes e futuras, pelo quanto perceberam que a vida das pessoas, o emprego, o poder de compra e o patrimônio de todos depende da qualidade das contas públicas e da forma como os recursos são destinados à ação e finalidade do Estado.[1]

Como dito, tem-­se a fiscalização da atuação dos órgãos do Estado como dever de toda a Administração e da sociedade, tanto por aqueles afetados diretamente quanto por qualquer outro cidadão que tenha ciência de qualquer vício na formação das receitas, na realização dos gastos ou nos procedimentos de controle em torno da atividade financeira do Estado. Este é um dos mais poderosos instrumentos no combate à corrupção e desvios praticados na gestão do patrimônio público, nos três níveis de governos.

E para que o cidadão possa ser bem informado e tenha cosciência do seu papel, desvela-se de suma importância a atuação da imprensa livre, responsável e tecnicamente qualificada, para o cumprimento do seu papel democrático. Não é de hoje que se considera a opinião pública como fator relevante em questões de controle das finaças públicas. Veiga Filho, destacado Professor catedrático de Direito Financeiro na década de 30, já observava que, dentre todos, o mais importante fundamento é o da imprensa livre.[2]

Todos cientes de que matéria financeira não é lugar para sensacionalismos, superficialidade ou informações incompletas. Os equívocos de algumas fontes jornalísticas em torno dos aspectos técnico-jurídicos dos ajustes das previsões da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), relativos aos critérios definidores do chamado “superávit primário”, são um exemplo do quanto ainda temos a aprimorar.

Uma imprensa isenta, responsável e técnica presta-se a expandir a capacidade de informação sobre contas públicas e a assegurar a máxima capacidade indicativa de planejamento para os entes privados e agentes econômicos.[3] Por conseguinte, o preparo e qualificação dos profissionais serão sempre imprescindíveis para a isenção e precisão das informações geradas.

A combinação entre o controle da atividade financeira do Estado e a apuração de responsabilidades dos gestores públicos, mediante participação popular e a atuação contínua e permanente da imprensa, caracteriza a mais importante manifestação da democracia.

Logicamente, para que esse propósito seja alcançado, cumpre evidenciar a função de transparência das leis orçamentárias, no que concerne às despesas públicas e funções de planejamento e de dirigismo do orçamento. Como diz Veiga Filho, “a publicidade da despeza publica é incontestávelmente outra garantia de ordem constitucional e administrativa”.[4] Esta é uma síntese precisa, pois é de norma de garantia que se trata.

Transparência financeira e Estado Democrático de Direito são indissociáveis. O orçamento é uma lei que tem, dentre outras finalidades, aquela de gerar confiança, interna e externa, assegurar estabilidade financeira ao Estado e contribuir como indicativo para o planejamento privado e organização da atividade econômica do país.

Estado não é empresa, porém. Governa-se com a Constituição e em favor das necessidades de toda a sociedade. E não com as partidas dobradas da contabilidade com fim de obtenção e repartição de “lucros”. Por isso, tudo o que ocorre na gestão pública deve ser examinado à luz dos desígnios dos fins do Estado na sociedade e prevalência desses valores sobre qualquer questão episódica de contabilidade pública, em lídima ponderação de valores, de sorte a permitir a manutenção da estabilidade financeira, mas sem que isso gere embaraços à ação estatal perante toda a sociedade.

O mais importante na aprovação do “orçamento” é o debate instaurado entre governo e oposição, maiorias e minorias, parlamento e opinião pública, grupos de interesses, partidos, bancadas regionais e outros. É neste processo democrático de diálogos sobre os destinos do orçamento que a função controle galga destaque e afirma­-se como uma das suas mais importantes manifestações.

A transparência das finanças públicas é um direito coletivo que deflui dos princípios democrático e republicano, pelo interesse de todos na condução do Estado, ao tempo que leis orçamentárias confluem para definir o próprio modelo de sociedade e de construção do Estado.[5] Daí a importância da imprensa livre qualificada para “traduzir” para a sociedade toda a complexidade técnica que a matéria envolve.

Por isso, no curso de tramitação da lei orçamentária, tudo deve ser público e transparente, inclusive a apresentação de emendas e debates parlamentares, os quais devem ser igualmente abertos e divulgados pela imprensa livre com ampla difusão. Para tanto, à imprensa cumpre informar e criar condições para a formação livre da opinião pública, na medida em que será determinante para a organização econômica das pessoas e de todo o Estado-nação.

A Lei de Responsabilidade Fiscal, no seu artigo 1º, parágrafo 1º, expressa muito bem esta função de transparência do orçamento, ao dizer que:

a gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em restos a pagar.

A menção expressa à ação transparente da gestão fiscal não é por acaso. Além de efetivar preceitos constitucionais que a prescrevem, evidencia uma das mais importantes funções do orçamento público, que é a clareza, a transparência e a cognoscibilidade do seu conteúdo.

Mais adiante, explicita a função da transparência na elaboração dos orçamentos, como expressão de atividade democrática na gestão fiscal, a saber:

Artigo 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos.

E, mais recentemente, foi editada a Lei Complementar 131, de 27 de maio de 2009, conhecida como lei de transparência financeira, que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, a fim de determinar a disponibilização, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.

O artigo 1º desta Lei Complementar 131, de 2009, alterou o artigo 48 da Lei Complementar 101/2000, cujo parágrafo único prescreve que:

A transparência será assegurada também mediante: I) incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos; II) liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de acesso público; e III) adoção de sistema integrado de administração financeira e controle, que atenda a padrão mínimo de qualidade estabelecido pelo Poder Executivo da União e ao disposto no artigo 48­A.

A nova lei adicionou o artigo 48­A, para determinar ainda o quanto segue:

Os entes da Federação disponibilizarão a qualquer pessoa física ou jurídica o acesso a informações referentes a: I) quanto à despesa: todos os atos praticados pelas unidades gestoras no decorrer da execução da despesa, no momento de sua realização, com a disponibilização mínima dos dados referentes ao número do correspondente processo, ao bem fornecido ou ao serviço prestado, à pessoa física ou jurídica beneficiária do pagamento e, quando for o caso, ao procedimento licitatório realizado; e II) quanto à receita: o lançamento e o recebimento de toda a receita das unidades gestoras, inclusive referente a recursos extraordinários.

De igual sorte, as prestações de contas devem obediência aos mesmos parâmetros. A produção dos textos legislativos e prestações de contas devem ter por base a compreensão do cidadão, e não apenas o atendimento burocrático da contabilidade e da tecnicidade dos economistas. E a própria Lei Complementar 95/1998, no seu artigo 11, exige a “clareza” como dever do processo legislativo.

Como se vê, essas disposições bem evidenciam a força axiológica assumida pela transparência financeira e orçamentária em nosso ordenamento, de tal modo que já não persistem os orçamentos ocultos ou de misteriosa execução.

A publicidade, maior expressão de gestão democrática das leis republicanas, une­-se aos valores fundamentais da liberdade de imprensa, para conferir a todos o direito de acompanhamento e acesso às informações financeiras. Este é um dado revelador do fortalecimento das nossas instituições democráticas. Para tanto, a opinião pública reclamará sempre uma imprensa livre, tecnicamente qualificada e isenta para traduzir os dados das finanças públicas de modo a garantir o planejamento privado e as escolhas individuais na economia.


[1].     Cf. o nosso: Direito Constitucional Financeiro – Teoria da Constituição Financeira. SP: RT – Revista dos Tribunais – Thomson Reuters, 2014.

[2].     “Garantias constitucionaes e administrativas da despeza pública. A principal garantia constitucional em materia de despeza publica está, sem dúvida, na crítica feita pela imprensa, cuja liberdade é uma das máximas consagradas pelo direito publico moderno” (VEIGA FILHO, João Pedro da. Manual da sciência das finanças. 4. ed. São Paulo: Monteiro Lobato, 1923. p. 28).

[3].     No sentido dos princípios da Declaração de Chapultepec (1994), especialmente os seguintes: “I – Não há pessoas nem sociedades livres sem liberdade de expressão e de imprensa. O exercício dessa não é uma concessão das autoridades, é um direito inalienável do povo. II – Toda pessoa tem o direito de buscar e receber informação, expressar opiniões e divulgá­‑las livremente. Ninguém pode restringir ou negar esses direitos. III – As autoridades devem estar legalmente obrigadas a pôr à disposição dos cidadãos, de forma oportuna e equitativa, a informação gerada pelo setor público (…)”.

[4].     “A publicidade é um dos corollarios do regimen representativo, que é um governo de opinião; e esta não se fórma sem o conhecimento geral, que só se obtem pela discussão parlamentar divulgada pela imprensa.” E, mais adiante: “Sem a publicidade obrigatoria, a administração financeira se converte sempre em regimen de opprobrio, de vexame e de despotismo, no qual a probidade administrativa cede logar ao favoritismo e á corrupção. Segredo ou mysterio, em materia de finanças publicas, é prenuncio do esbanjamento, delapidação” (VEIGA FILHO, João Pedro da. Manual da sciência das finanças. 4. ed. São Paulo: Monteiro Lobato, 1923. p. 34). Para um estudo atual, veja­‑se o excelente artigo: MENDES, Gilmar Ferreira; CORREIA NETO, Celso de Barros. Transparência fiscal. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira; NASCIMENTO, Carlos Valder do (Coord.). Tratado de direito financeiro. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 2, p. 177‑201.

[5].     Esta preocupação não escapou a Dino Jarach: “El conocimiento general y particularizado del Plan presupuestario es condición fundamental para el control de la acción del Estado por la opinión pública y para que el sector privado ajuste sus propias actividades en función de la economía del sector público, tanto en lo referente a los gastos, como a los recursos, ya que ambos han de ocasionar efectos en la demanda y en la oferta de bienes y servicios. El principio de la publicidad se proyecta – también – sobre la preparación y sobre la ejecución del Presupuesto” (JARACH, Dino. Finanzas públicas y derecho tributario. 3. ed. Buenos Aires: Abeledo‑Perrot, 2003. p. 81).

 

Publicado originalmente em https://www.conjur.com.br/2014-nov-26/consultor-tributario-controle-financas-publicas-exige-transparencia

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