Pelos próximos 15 meses, o governo brasileiro trabalhará em conjunto com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) a fim de aprimorar a legislação tributária, principalmente as normas que regulam os preços de transferência para apuração do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Como parte do processo de adesão à entidade, iniciado em maio de 2017, o Brasil pretende buscar uma convergência maior com o sistema tributário mais comum nos países membros do grupo, a fim de estimular o comércio exterior, atrair investimentos estrangeiros e reduzir litígios no país.

O projeto de cooperação entre o Brasil e a OCDE na área tributária foi inaugurado nesta quarta-feira (28/02) em seminário sobre o tema, promovido em Brasília pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). “Pretendemos absorver as melhores práticas e tomar as medidas necessárias, principalmente a compatibilização com as normas tributárias mais avançadas no mundo”, afirmou na ocasião o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. “Temos que diminuir os custos, fator importante para o Custo Brasil. De um lado o custo de conformidade na ótica do contribuinte, e de outro o custo de administração na ótica do poder público”, complementou.

O secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, não adiantou quais mudanças devem ser promovidas pelo governo na legislação tributária relativa aos preços de transferência. Questionado sobre quais princípios internacionais devem ser adotados pelo Brasil, o secretário lembrou que o momento ainda é de diálogo com outros países.

“Queremos avançar. É importante ouvir outros modelos, esse é o propósito do seminário. Nossa legislação é muito focada em mercadorias, podemos avançar por exemplo em relação aos serviços. Se tivermos uma legislação mais clara, vamos reduzir inclusive os litígios. É o que queremos”, afirmou.

O preço de transferência é uma metodologia adotada para o cálculo do IRPJ e da CSLL nos casos de operações entre partes relacionadas, sendo que uma das companhias está localizada fora do país. No Brasil há uma multiplicidade de métodos que podem ser aplicados nesses casos, o que gera discussões na esfera judicial e administrativa. O tema é frequente no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

Cooperação entre o Brasil e a OCDE

O seminário reuniu autoridades e especialistas em Direito Tributário da Receita Federal, do setor privado nacional e internacional e da academia. Durante a abertura o embaixador do Reino Unido no Brasil, Vijay Rangarajan, destacou um investimento de £ 80 milhões anunciado pelo governo britânico em um fundo para encorajar a convergência entre as regras brasileiras e da OCDE, tanto na área tributária quanto em outros setores.

No evento o secretário-geral da OCDE, Angel Gurría, afirmou que o Brasil não precisa adotar integralmente o sistema aplicado pela entidade para se tornar membro. “Não é uma questão de impor uma solução. É uma espécie de fertilização cruzada, um trabalho recíproco de fortalecimento mútuo dos procedimentos e dos sistemas”, explicou.

O processo de adesão à OCDE pode durar de três a cinco anos, segundo Gurría. De acordo com Meirelles, o Brasil é o país mais bem posicionado na avaliação técnica da entidade. Como o país coopera há 22 anos com a organização, a familiaridade com os procedimentos internos pode acelerar o diálogo com os comitês do grupo. Também pleiteiam uma vaga na entidade Argentina, Bulgária, Croácia, Romênia e Peru.

Em cooperação com a OCDE, o Brasil participou do projeto para combater a Erosão da Base e a Transferência de Benefícios (Beps) e integra a Comissão de Assuntos Fiscais da entidade. As diretrizes da OCDE relativas aos preços de transferência são seguidas por diversos países e foram incorporadas na convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a tributação. O Brasil coopera com a OCDE desde 1996, quando começou a participar do comitê especializado no setor de aço. Desde o ano passado, pleiteia uma vaga como membro pleno da entidade.

Modelo brasileiro e internacional

O secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, explicou que sistema brasileiro para tributar os preços de transferência é pautado em margens de lucro fixas, com menor custo administrativo para a fiscalização. Já o modelo internacional adotado pela OCDE busca uma apuração mais específica para cada empresa, com visitas dos agentes fiscais a fim definir as margens adequadas para as companhias de diferentes setores.

Gurría defendeu que, em qualquer modelo, o propósito dos preços de transferência para o governo é assegurar que lucros tributáveis não sejam desviados artificialmente. Já na perspectiva do contribuinte, é essencial limitar os riscos de bitributação.

Lançado na manhã desta quarta-feira (28/02) em evento no Banco Central, o relatório econômico da OCDE sobre o Brasil (aqui e aqui) avalia que a economia do país é relativamente fechada, com limitações na integração com as cadeias globais de valor. “Vamos trabalhar juntos para entender até que ponto as atuais regras de preços de transferência podem ser responsabilizadas por essa situação”, disse.

Um dos principais responsáveis pela integração com a OCDE, o subchefe de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais da Casa Civil, Marcelo Guaranys, destacou que uma simplificação no sistema tributário colabora para atrair investimentos estrangeiros. Guaranys lembrou que a grande parte da tributação brasileira difere das práticas adotadas em outros países, e isso pode dificultar a vinda de multinacionais.

“Analisamos como propor regras mais claras para quem investe aqui. Ambientes muito complexos com custos altos podem afastar investidores. A ideia é gerar eficiências na economia para convergir arranjos regulatórios, o que também tende a reduzir os litígios”, argumentou.

Durante o evento, o chefe do departamento financeiro da Sanofi Brasil, Victor Oliveira, argumentou a favor de um modelo misto entre o brasileiro e o internacional. “O ideal seria ter uma combinação. Aproveitar o modelo com a margem fixa, mas também levar em consideração principalmente o risco e o valor agregado em cada parte da cadeia”, propôs.

Apesar de o sistema brasileiro ser mais simples, o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, afirmou que a vantagem dos percentuais fixos atende às necessidades de apenas parte da indústria. “A utilização de margens fixas predeterminadas pela norma nacional pode provocar dupla tributação, o que em alguns setores inibe a inserção em cadeias produtivas relevantes. Buscamos dar mais competitividade às operações”, defendeu.

Embora o governo não tenha sinalizado claramente quais aprimoramentos pretende implementar, o professor de Direito Tributário na Universidade de São Paulo Heleno Torres destacou a relevância de a equipe econômica estar aberta a mudanças. “O evento mostrou a disposição da Receita Federal em dialogar com a OCDE, e isso é muito importante”, avaliou.

Na abertura, Rachid ressaltou que a lei nº 9.430/1996, que regula os preços de transferência, foi promulgada enquanto o Brasil essencialmente comercializava mercadorias. A atualização feita em 2012 buscou calibrar as margens fixas às práticas industriais, principalmente no mercado de commodities. “Vemos agora uma nova oportunidade para mudar esse tema, aprimorar a legislação tributária e dotar o Brasil de instrumentos para fortalecer a inserção internacional, sem perder de vista a previsibilidade, a segurança jurídica e a simplificação”, afirmou o secretário.

 

Publicado originalmente em https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/brasil-aproveita-adesao-ocde-para-aprimorar-leis-sobre-precos-de-transferencia-01032018

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