Os serviços de telefonia móvel pessoal assumiram nos últimos anos notável importância nas telecomunicações brasileiras, com vasta gama de utilidades aliadas à portabilidade e às mais variadas formas de empregabilidade dos meios. Com isso, ao tráfico de voz, inerente à comunicação à distância, somaram-se distintos serviços que o sistema regulatório permitia unicamente a provedores diversos dos prestadores de serviços de telefonia fixa comutável (STFC), os chamados “serviço no regime público”. E como a telefonia móvel ficou reservada ao chamado “regime privado”, isso serviu como estímulo ao desenvolvimento dos Serviços de Valor Adicionado (SVA) (value added services) pelos seus operadores. Essa foi a experiência da maioria dos países nos últimos anos.[1]

Somaram-se, assim, demandas crescentes de empresas e usuários pelos serviços adicionados, mediante aplicativos ou mesmo chamadas, veiculados por meio das mais distintas tecnologias (WAP, EDGE, GSM, GPRS), com facilidades que permitem interatividade ou a acessibilidade à internet.

Em termos jurídicos, esses serviços são prestados com base em contratos específicos e sob constante regulação normativa da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). São contratos atípicos, por adesão, e que se prestam segundo o benefício da comodidade, tarifas e efeitos dos atos praticados. Com isso, tem-se um quadro orgânico do modelo jurídico dos SVA na telefonia móvel, integrado ao ambiente das telecomunicações.

No âmbito da telefonia, as telecomunicações podem ser vistas sob a ótica de três conceitos[2] fundamentais, como bem percebeu Pedro Gonçalves, ou seja, como meio de comunicação (i), como complexo de redes e sistemas (ii) ou mesmo como serviço prestado aos usuários (iii), com absoluta independência do conteúdo veiculado. As duas primeiras correspondem ao conjunto de meios e de infraestrutura (a) e a última, aos serviços propriamente ditos (b), classificação esta à qual aderimos.

A própria Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97), ao cuidar da Organização dos Serviços de Telecomunicações, prescreve no parágrafo 1°, do artigo 60, que “telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza”. Nesse sentido, telecomunicação consiste na transmissão, emissão ou recepção (ações), por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético (meios), de “símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza” (conteúdos), os quais podem consistir em comunicação (i) ou em qualquer outra forma de atividade (ii) que, apartada da noção de “telecomunicação” stricto sensu, consista na disponibilidade de comodidades para os usuários.

Os SVA integram-se aos serviços de telecomunicações, ainda que com estes não se confundam. Por isso, nos termos da Lei 9.472/97, distingue-se o serviço de telecomunicação stricto sensu (que permite a comunicação) daqueles que acrescem utilidades, sob a forma de SVA. Nestes moldes, “telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza” (artigo 60, parágrafo 1º) e “serviço de valor adicionado é a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações.” (artigo 61, parágrafo 1º). Portanto, o SVA adiciona à rede de telefonia móvel novas utilidades, sem confundir-se com serviços de comunicação.

Nos mais variados países, e no Brasil não é diverso, as Prestações de SVA podem ser oferecidas por terceiros ou mesmo pela própria operadora de telecomunicações. E, quando prestados por provedores distintos, a remuneração dos serviços pode ser feita de modo destacado ou compor o mesmo documento de cobrança dos serviços de telecomunicações.

Estas opções, quando autorizadas pelo direito positivo e pelo órgão regulador, vão coincidir com as liberdades próprias da autonomia privada, sobre a eleição destes pelas operadoras e provedores de Prestações de Utilidade, Comodidade, cujos contratos devem seguir regimes de “consumo” da prestação de serviços de telecomunicações, sem qualquer discriminação.

Essa é a razão pela qual o parágrafo 1º, do artigo 61, prescreve classificar-se o provedor das prestações de SVA “como usuário do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, com os direitos e deveres inerentes a essa condição”. Em se tratando de um terceiro, o regime contratual será aquele que se possa aplicar a qualquer usuário de telecomunicações, com os direitos e deveres que couberem a estes.

Os serviços de suporte, que são aqueles de telecomunicações, são remunerados conforme o seu uso. Diversamente, aquelas facilidades de valor adicionado, de um modo fixo, como um preço determinado, mesmo que seja perfeitamente possível que a remuneração acompanhe o serviço de telecomunicação, segundo o uso deste.

Neste ponto, é importante mencionar que nas mensalidades fixas cobradas pelos SVA periódicos ou por mensagens individualizadas não poderá incidir o ICMS, cabendo o dever de segregação dos valores, ressalvado que, pela chamada telefônica (comunicação), que possa ser feita, haverá incidência deste imposto. Os contratos de prestações de SVA são geralmente atípicos, por faltar-lhes previsão legal expressa. Para que fosse qualificado como contrato legalmente típico, seria necessário que se encontrasse, na lei, o modelo da sua disciplina, mais ou menos ampla, ou mais ou menos completa, mas não é o que ocorre com essas modalidades contratuais.

As prestações de SVA devem ser facilmente identificadas e sua prestação e preços devem ser destacados em campos autônomos, como decorrência do princípio da separação obrigatória entre serviços de telecomunicações e os SVA. Que não sejam confundidos ou ocultos. Por isso, prestados pela mesma operadora ou por terceiros, não importa, desde que seja feito o competente destaque na nota de serviços, com autonomia e liberdade opção por parte dos usuários, não se impõe qualquer dificuldade, admitida a necessária segregação entre serviços de comunicação e os SVA na conta telefônica e na formação da base de cálculo do ICMS.

Deveras, a “lei tributária” (e ainda mais a autoridade administrativa, mediante ato de lançamento) não se vê autorizada a alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privadoquando estes forem tipos constitucionalmente previstos para repartição de competências (Artigo 110 do CTN). Pudessem os estados manipular os conceitos que servem à repartição de competências, mediante leis suas, modificando os tipos prescritos, restaria prejudicada a hierarquia normativa (da Constituição em face das leis) e os princípios garantísticos de certeza e segurança jurídica no ordenamento. Com rigor, o conceito privado de “serviço de comunicação” vincula o legislador e o administrador tributário à sua acepção de base, de forma inconteste.

Destarte, o sentido a ser atribuído ao termo juridicamente qualificado como prestação de serviços, pela Constituição, para o exercício de Competência dos Municípios, deverá ser aquele que a legislação de direito privado designa, construído nos artigos 593 e seguintes do Código Civil.

Prestação de serviços designa uma obrigação de fazer, um negócio jurídico pelo qual uma parte se obriga a realizar um “fazer”[3], a prestar um serviço, mediante o pagamento de contraprestação. A prestação dos serviços é o objeto da obrigação de fazer, “por ela, o devedor compromete-se a prestar uma atividade qualquer, lícita e vantajosa, ao seu credor,” como explica Alvaro Vilaça de Azevedo.[4]

O fato jurídico do ICMS ocorre quando há comunicação: troca de mensagens simultâneas entre dois sujeitos ausentes. Logo, somente coincidirão com o campo de incidência do ICMS aqueles serviços que se prestem à efetiva concretização de um ato de comunicação entre os utentes, a partir de alguma “prestação onerosa de serviços”. Importa, pois, verificar a concretização da atividade-fim de comunicação entre os interlocutores, a partir das atividades-meios colocadas à disposição dos usuários pelo prestador do serviço SMP. Não é isso o que se verifica com os serviços submetidos ao regime de SVA.

Com efeito, a incidência do ICMS pressupõe a prestação de serviços de comunicação, o que não ocorre em relação aos SVA.

Os SVA são utilidades vinculadas à rede de telefonia SMP, que tem com objetivo permitir o acesso a informações multimídia, jogos e aplicativos, para melhor uso da rede móvel, mas que não se confundem com os serviços de comunicação, pois não permitem a troca de mensagens simultâneas entre ausentes.

Os downloads de sons, dados, imagens ou textos disponibilizados (músicas, vídeos, jogos, toques de telefone, imagens) — também não se confundem com a prestação de serviço de comunicação. O download consiste no acesso, transporte e armazenamento de informações multimídia, mediante a cobrança de um valor fixo por arquivo adquirido ou por período.

Destarte, nos termos do artigo 155, II, da Constituição Federal e da Lei Complementar 87/96, as prestações dos SVA acima tratados — excetuados o chat e o serviço de MSN — não se consubstanciam em hipóteses de incidência do ICMS-comunicação. Em vista disso, cabível a segregação desses serviços na fatura dos serviços, com destaque do ICMS unicamente nos casos de serviços de comunicação.

Quanto ao ISS, a Constituição reclama a edição de normas gerais, nos termos do artigo 146, I e II, ‘a’, da Costituição Federal, mediante Lei Complementar, para definir o “fato gerador” e evitar conflitos de competência entre estados e municípios. Com esse propósito, foram editadas as leis complementares 87/96 e 116/2003, de superior hierarquia em relação às leis municipais, elas fixam os critérios para delimitar a esfera de competência tributária dos estados e os municípios.

A taxatividade da lista do ISS, deveras, é uma garantia constitucional dos contribuintes contra o arbítrio e a insegurança jurídica. Não se pode admitir, com isso, seu dilargamento por lei ordinária e, tanto menos, por ato administrativo objeto de interpretações supostamente “extensivas”.

Cabe-nos, então, verificar se os SVA estariam incluídos no rol de serviços tributáveis pelos municípios.

A Lei Complementar, sabe-se, está adstrita à Constituição Federal e não autoriza a incidência de ISS sobre serviços de comunicação, tampouco sobre serviços de telecomunicação. Ademais, não há qualquer previsão na LC 116/2003 que permita a incidência de ISS sobre SVA, que são atividades que acrescentam utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimento ou recuperação de informações ao usuário à rede SMP.

Ademais, em louvável decisão, o Superior Tribunal de Justiça analisou também a possibilidade de incidência de ISS sobre a prestação de serviços de provedores de acesso à internet e concluiu que o referido serviço de valor adicionado não poderia ser tributado pelos municípios, pois não se encontra arrolado na lista de serviços anexa à lei complementar 56/87, em que pese a interpretação extensiva de suas disposições.[5] Deveras, não há previsão na lei complementar que permita a inclusão dos SVA entre os serviços sujeitos à incidência de ISS. Isso, porque, conforme anteriormente salientado, os SVA relacionados ao acesso, apresentação, armazenamento, movimentação e recuperação de informações multimídia não se qualificam como serviços técnicos de telecomunicação (item 31) e estão fora do campo de competência tributária dos municípios (artigo 156, III da Constituição Federal).

Mas há outro motivo adicional. A Constituição Federal outorgou competência tributária aos estados para cobrança de ICMS sobre prestações de serviços de comunicação — hipótese que não alcança os SVA aqui tratados.

Ademais disso, conforme temos insistido, nenhum outro imposto poderá ser exigido sobre serviços de telecomunicações, por força da imunidade prevista no artigo 155, parágrafo 3º, da Constituição Federal, in verbis:

“§ 3º À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput deste artigo e o art. 153, I e II, nenhum outro imposto poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País.”

Como se depreende, serviços de telecomunicações podem ser tributados pelos impostos sobre importação e exportação de competência da União (artigo153, I e II da Constituição Federal) e pelo ICMS de competência dos estados (artigo 155, II da Constituição). Nenhum outro imposto poderá incidir em prestação de serviços de telecomunicações. O artigo 155, parágrafo 3º, portanto, traz em seu bojo verdadeira norma de imunidade, na forma de regra constitucional de exclusão, limite objetivo que impede a incidência do ISS em quaisquer prestações de serviços que tenham por objeto telecomunicações.

O parágrafo 3º, do artigo 155 restringe a tributação das telecomunicaçõeslimitadamente aos impostos ali referidos. Para fins da norma imunitória, os serviços de telecomunicações são todos aqueles tratados na Lei Geral de Telecomunicações — ou seja, os serviços de telecomunicações stricto sensu,os SVA, que assumem a condição de serviços de telecomunicações “lato sensu”.

Nenhuma extensão de competência, por parte de municípios, pelo legislador ou mesmo pelo aplicador das normas tributárias, autoriza alcançar serviços prestados no âmbito das telecomunicações (gênero), como os SVA (espécies). De fato, em nossa Constituição, o conceito de “serviços de qualquer natureza” foi definido pela negativa, quando se reporta aos serviços “não compreendidos no art. 155, II”. Porém, à tributação dos serviços de telecomunicações acrescenta-se o parágrafo 3º, do artigo 155, da Constituição Federal, como medida expressa de imunidade tributária para qualquer outro imposto.

Logo, nenhum dos SVA poderá sofrer a incidência do ICMS ou mesmo do ISS, eis que: (i) não há previsão na lista de serviços anexa à Lei Complementar e; (ii) nem poderia, pois os serviços de comunicação são tributados exclusivamente pelo ICMS e serviços de telecomunicação (e atividades correlatas, como os SVA) são imunes ao ISS.


[1] Cf.: BRUTTI, Nicola. La telefonia mobile – profili giuridici. Torino: Giappichelli, 2009.
[2] GONÇALVES, Pedro. Direito das telecomunicações. Coimbra: Almedina, 1999, pp. 10-12.
[3] Código Civil: “Art. 594. Toda a espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratada mediante retribuição.”
[4] AZEVEDO, Alvaro Vilaça. Curso de Direito Civil. Teoria Geral das Obrigações. 7a. ed. São Paulo: RT, 1998. p. 69.
[5] REsp 658626 / MG, Relatora Ministra Denise Arruda, 1ª T, DJe 22/09/2008.
Publicado originalmente em https://www.conjur.com.br/2014-set-24/consultor-tributario-icms-iss-nao-incidem-valor-adicionado-telefonia-movel

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