Heleno Taveira Torres

(Professor Titular de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da USP)

 

O Supremo Tribunal Federal é o “Tribunal da Segurança Jurídica”, porquanto ao tempo que cumpre a função de “guardião” da Constituição e de “Órgão de Cúpula do Judiciário”, assume o elevado papel de garantidor da segurança jurídica na sociedade.

É induvidoso quem “guarda” a Constituição, guarda o Estado Democrático de Direito e, como a segurança jurídica é um princípio que decorre daquele princípio do Estado de Direito e dos direitos e liberdades fundamentais, confirma-se que ao Supremo compete zelar continuamente para garantir um estado de normalidade, de certeza e de previsibilidade nas relações interestatais, nas relações internacionais, nas relações interfederativas, bem como nas relações entre estado e cidadãos ou dos cidadãos entre si.

O cargo de Ministro do STF é uma das atividades mais complexas do Estado brasileiro e destina-se a desempenhar funções bem marcadas, como: i) juiz constitucional; ii) juiz do tribunal  federativo; iii) juiz penal; iv) juiz da corte mais alta do Poder Judiciário brasileiro; iv) juiz dos conflitos entre poderes ou de jurisdições entre tribunais; v) juiz de execução dos casos da sua competência originária; vii) juiz administrativo; e viii) autoridade judiciária não contenciosa de ordem internacional (e de exequatur).

Assim, um ministro do STF assume o compromisso de concretizar a justiça, ser agente da segurança jurídica e de adotar meios para contribuir para uma jurisdição constitucional atualizada com os anseios contemporâneos, com estabilidade da jurisprudência e aprimoramento do sistema jurídico, para afirmar a harmonia entre os poderes, proteção dos direitos fundamentais e liberdades individuais, manutenção do pacto federativo, além daquelas funções recursais típicas de órgão de cúpula do Poder Judiciário, de caráter administrativo ou como juízo originário para os processos penais de autoridades com foro privilegiado.

O objetivo da Constituição está no fim de instituir um Estado Democrático mediante a concretização de toda a sua ordem sistêmica de valores. E essa Constituição regula a vida em sociedade sob a forma de Estado, em favor das gerações presentes e futuras. Daí a relevância do primado da supremacia da Constituição, como exigência que se impõe a todos os órgãos do Estado, para afirmar a vontade do texto constitucional como parâmentro de uniformidade do Direito e da existência do Estado.

E porque esta Constituição consagra o objetivo fundamental de constituir um Estado Democrático de Direito e uma sociedade livre, justa e solidária, o Ministro do Supremo Tribunal Federal deve servir ao povo e ser respeitoso da vontade da maioria que perfaz a vontade democrática. Cumpre-lhe, assim, observar a legalidade mediante a vontade enunciada pelos representantes do povo. E somente quando imperativos de justiça o imponham, no caso de conflitos entre aquela legalidade e a Constituição, é que suas decisões podem ser contramajoritárias, para prover a justiça desde o ápice do ordenamento, mediante a efetividade de direitos e liberdades fundamentais, harmonia entre poderes ou equilíbrio nas relações federativas.

Daí o dever de transparência do juiz constitucional, espelhado na motivação dos seus atos, para a proteção dos valores e fins que a Constituição impõe ao Estado e para que todos possam ter controle sobre os fundamentos e conteúdos das suas decisões.

Em um Estado Democrático de Direito, o protoganismo da história deve ser do povo e dos representantes da política. Ninguém pode aspirar ser dono da moral pública. Ao povo o que é do povo. Por isso, só a este cabe decidir escolhas e estabilizar a expectativa social de atribuição de direitos ou de políticas públicas. Neste sentido, só o povo e seus representantes eleitos “empurram” verdadeiramente a história, porque são os únicos detentores das rédeas do destino da Nação.

Recentemente, o Justice Anthony Kennedy, da Suprema Corte norte-americana, em conferência na Universidade da Pennsylvania, em 3.10.2013, disse: “Qualquer sociedade que confia em nove juízes não eleitos para solucionar as mais sérias questões do dia não é uma democracia funcional” (Any society that relies on nine unelected judges to resolve the most serious issues of the day is not a functioning democracy). Corretíssimo. Juiz não se deve assumir como ator da política ativa, um ser midiático, a substituir os atores da política partidária. Cumpre ao juiz dialogar com as partes e agir segundo uma única ideologia, que é cumprir e fazer cumprir a Constituição nas suas máximas possibilidades, com efetividade dos seus valores e princípios.

De fato, nas pequenas ou nas grandes decisões jurídico-constitucionais, sempre, os juízes devem ser deferentes à democracia. A judicialização da política, na forma exorbitante que se tem visto nos dias que correm, aqui e alhures, resulta por diminuir a relevância da força da democracia na política, ao transferir para uma burocracia não eleita o papel de decisor das grandes questões nacionais.

O Brasil precisa de instituições cada vez mais fortes, como se tem verificado no seu apriumoramento recente. E isso reclama, mais do que nunca, mulheres e homens com responsabilidade pelos seus destinos, com destemor e serenidade e comprotimentos com a normalidade e com o debate fundado nos princípios democráticos. Que não capitulem às pressões de interesses e que se elevem por valores éticos rígidos, como exemplos de conduta humana, no exercício do poder e das nossas instituições.

O valor mais caro do nosso constitucionalismo para o exercício das funções públicas é a democracia inserida como condicionante da República. O Estado existe para servir ao povo, daí a demanda por um Judiciário mais aberto, acessível a todos, transparente e igualmente respeitoso das virtudes democráticas, para integração do cidadão em plenitude às atividades do Estado, com expansão da sua esfera de cidadania e garantia da dignidade humana e liberdades individuais.

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