Colaborador do governo e do Senado Federal na elaboração do projeto de repatriação de dinheiro no exterior não declarado ao Fisco, o advogado e professor da Universidade de São Paulo (USP), Heleno Torres, diz que o programa vai tributar grandes fortunas e evitar aumento de novos impostos. Segundo ele, será muito difícil para as pessoas com dinheiro não declarado fugir do Fisco Global, sem soberania, que se formou no novo ambiente internacional de maior aperto na fiscalização promovido pelos países. Na entrevista a seguir, Torres diz que a repatriação não será uma lavanderia oficial de dinheiro ilícito.

Qual o atrativo para trazer a o País dinheiro não declarado?

Há um esforço dos Estados Unidos, dos países da OCDE e do G-20 para terem trocas automáticas de informação a respeito das contas bancárias. Com o aperfeiçoamento dessas bases de informação, seguramente os países chegarão a todos os titulares dessas contas.

Mas como separar as atividades lícitas das ilícitas?

O Banco Mundial estima que o Brasil tenha R$ 500 bilhões no exterior. Mesmo que aceitem que R$ 300 bilhões sejam de atividade ilícita, temos ainda US$ 200 bilhões que podem vir ou não. Há uma margem sempre relevante daqueles que podem aderir e com capacidade de identificar a origem. Eu estimo que a tributação da base de 35% leve a uma arrecadação de R$ 100 bilhões a R$ 150 bilhões. Se conseguirmos trazer metade do que estou achando, ainda assim conseguiremos resolver esse problema da guerra fiscal.

Quem vai identificar a origem?

A recomendação do órgão internacional que cuida da lavagem de dinheiro é que seja uma instituição financeira, que tenha condições de controlar a identidade da pessoa e origem dos bens.

Como comprovar a origem?

Algum documento tem que ter. Por exemplo, a pessoa era importadora de uma marca no Brasil que pagava bônus no exterior. Ele tem elementos que permitirão identificar a origem. Se o sujeito tem dinheiro lá fora e resolve aproveitar essa oportunidade achando que ninguém vai identificar a origem dos recursos, ficará mais fácil para as autoridades brasileiras comprovarem numa investigação. Outra regra clara é não proibir a investigação.

Então, o projeto não permite uma anistia penal plena?

Nunca foi pensado nesse sentido. Por isso, a necessidade de ter uma instituição financeira intermediária, como foi solicitado pelo ministro da Fazenda, para identificar a pessoa, os bens e entregar a declaração aos órgãos competentes com a proteção dos sigilos fiscal e bancário.

Como vai funcionar?

Os bens entrarão numa espécie de declaração de retificação dos bens existentes. Será relativo à posição patrimonial de 31 de dezembro de 2013. Isso é muito importante para não deixar dúvida de que teria algum interesse de abarcar alguém de situações correntes.

Da Lava Jato, por exemplo?

É um corte. Até aí, não existia CPI do HSBC, Lava Jato. Não existia nada disso.

Mas haverá anistia penal?

Tem de ser penal com relação à evasão de divisas, porque a pessoa recebe dinheiro no exterior e mantém lá sem declarar ao Fisco brasileiro. O brasileiro, por mais criterioso que seja com sua vida, se tem uma situação como essa e perdeu o prazo de declaração, nunca mais terá chance de regularização. É o único crime que não tem como se regularizar perante a Receita.

É agora ou nunca?

Se o dinheiro estivesse no Brasil, a pessoa faria uma declaração retificadora. Com o dinheiro no exterior, a pessoa não tem chance. Qualquer tipo de declaração que a pessoa faça, o Ministério Público é obrigado a mover uma ação penal.

O programa não será uma lavanderia oficial?

Jamais. Quem não tem condições de comprovar a origem dificilmente vai conseguir ingressar nessa declaração.

 

 

Publicado originalmente em http://www.tostoadv.com/entrevista-heleno-torres-nunca-mais-havera-uma-chance-de-regularizacao-como-essa/

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